Decidiu o Superior Tribunal de Justiça (STJ), por sua Terceira Turma, que o credor fiduciário não é obrigado a realizar a venda do bem dado em garantia antes de realizar a negativação do nome do devedor.
A decisão foi proferida em ação na qual o autor era avalista em contrato de abertura de crédito fixo com garantia de alienação fiduciária, firmado com um Banco. Ocorre que, posteriormente à celebração do contrato, a empresa devedora entrou em recuperação judicial, deixando de arcar com os pagamentos.
Desse modo, caracterizada a inadimplência, o Banco, então credor fiduciário, realizou a negativação do nome da empresa devedora e do avalista, sem realizar a alienação do bem dado em garantia. O avalista, então, ingressou com ação declaratória c/c pedido de obrigação de fazer, sustentando a tese de que a negativação era indevida, pois o credor tinha a obrigação de realizar a venda do bem, a teor do que dispõe o art. 1.364 do Código Civil¹, para somente então realizar a negativação do nome dos devedores em relação ao saldo remanescente.
A tese do autor foi aceita em primeira instância, contudo, após recurso do Banco, o tribunal entendeu pela inexistência de qualquer ato ilícito, argumentando ser regular a inscrição dos devedores em órgão de proteção ao crédito, pois que o débito era devido, inexistindo obrigação do credor de buscar antes a garantia real, sendo inaplicável ao caso concreto o artigo 1.364 do CC.
Ao analisar o caso, o STJ ponderou pela existência de duplo regime jurídico a que se submete a propriedade fiduciária. Assim, há um regime jurídico geral tratado pelo Código Civil, disciplinando a propriedade fiduciária sobre coisas móveis infungíveis, com credor fiduciário pessoa natural ou jurídica. Há, no entanto, um regime jurídico especial, tratado pelo Decreto-Lei 911/69 e pela Lei 9.514/97, que disciplinam, respectivamente (i) a propriedade fiduciária sobre coisas móveis fungíveis e infungíveis, restrito o credor fiduciário à pessoa jurídica instituição financeira, e (ii) a propriedade fiduciária imobiliária.
No caso em concreto, o STJ entendeu que por se tratar de alienação fiduciária de coisa móvel infungível envolvendo instituição financeira, era aplicável o regime jurídico especial tratado pelo Decreto-Lei 911/69, sendo que as disposições do Código Civil incidiam apenas de maneira suplementar.
Com isso, com a disposição expressa do artigo 5º do Decreto-Lei 911/69², que faculta ao credor fiduciário optar diretamente pela ação de execução, sem optar pela venda do bem dado em garantia, afastou o STJ a tese invocada pela parte autora, decidindo de maneira juridicamente muito bem fundamentada a controvérsia.
Conclui-se, portanto, que a estratégia a ser adotada pelo credor fiduciário para recuperar o seu crédito dependerá do regime jurídico ao qual se submete a propriedade fiduciária, restando claro que, se presente os requisitos do regime jurídico especial supramencionado, o credor poderá, a seu critério, decidir a estratégia que quer adotar, independentemente da venda do bem dado em garantia.
1 – Art. 1.364. Vencida a dívida, e não paga, fica o credor obrigado a vender, judicial ou extrajudicialmente, a coisa a terceiros, a aplicar o preço no pagamento de seu crédito e das despesas de cobrança, e a entregar o saldo, se houver, ao devedor.
2 – Art. 5º. Se o credor preferir recorrer à ação executiva, direta ou a convertida na forma do art. 4º, ou, se for o caso ao executivo fiscal, serão penhorados, a critério do autor da ação, bens do devedor quantos bastem para assegurar a execução.